Quam pulchra es, amica mea, quam pulchra es! -- «Oh, como és formosa, amiga minha, como és formosa» (Cant. 4, 1)
Sumário. Quando a Santíssima Virgem estava ainda na terra, a graça imensa da sua alma comunicava ao seu corpo uma formosura tão grande, que abrasava em amor todos aqueles que tinham a ventura de a contemplar, e inspirava-lhes no coração o desejo das coisas celestiais. Quanto mais formosa não deverá ser agora no céu, onde foi glorificada á mão direita do seu divino Filho! Regosijemo-nos com a nossa querida Mãe, recorramos a ela com confiança, e não tenhamos a loucura de renunciar ao gozo de a contemplarmos um dia no paraíso, para amar-mos com amor pecaminoso umas vis criaturas feitas de lodo.
I. Consideremos como a graça imensa da santíssima alma de Maria comunicava ao seu corpo tão grande formosura, que enamorava a todos quantos tinham a ventura de a vêr, infundia a todos o espirito de pureza, inspirava-lhes no coração o desejo das coisas celestiais, e abrasava-os no amor de Deus. Quem a ia visitar, por aflicto e atribulado que estivesse, voltava consolado, alegre e contente- -- São Diniz, o «Areopagita», conta que, tendo ouvido falar de Maria, fez uma viagem longa para a ir vêr. Apenas admitido á sua presença, ficou tão assombrado pelo brilho sobrehumano, tão trasbordado de consolação celeste, que lhe parecia já ter entrado na posse da glória. Tão cheio de gozo inefável ficou o Santo depois da visão tão encantadora, que depois, agradecendo ao seu mestre São Paulo, escreveu: «Confesso na verdade que não pensava que fora de Deus fosse possivel beleza tão sublime e celestial, como a que contemplei. Eu vi Maria Santíssima! Pude vêr e revêr com os meus próprios olhos a mãe de Jesus Cristo! Confesso mais uma vez que, quando João me levou á presença da deifica da Virgem altíssima, fiquei deslumbrado por um explendor tão grande, que me desfaleceu o coração e faltou a respiração, oprimido como estava pela glória de tamanha magestade. Afigorou-se-me que a glória dos Bem-aventurados não podia ser superior aquela que tive a ventura de contemplar.»
Façamos aqui uma reflexão: se a beleza de Maria foi tão grande, quando ela estava ainda neste vale de lágrimas, mas, qual não deve ser agora, que, glorificada no céu e imortal, está com alma e corpo á mão direita do seu divino Filho, próxima á Santíssima Trindade? Que loucura seria, pois, a nossa, se pelo amor desregrado a criaturas vis e enganosas, renunciassemos a irmos gozar para sempre no paraíso a formosura inefável da Mãe de Deus!
II. Se quizermos gozar um dia da formosura e carícias de Maria Santíssima, devemos ser humildes e puros de coração; porquanto não podem estar juntos numa alma o amor pecaminoso e o amor verdadeiro á grande Mãe de Deus. Comecemos portanto a nos desafeiçoar das vaidades do mundo, de nós mesmos; comecemos a nos mortificar devéras pelo amor de Maria, e então veremos o quão amável e graciosa é a sua formosura!
Recolhamo-nos um instante dentro de nós, e afiguremo-nos que estamos no céu na presença da nossa grande Rainha. Seus olhos são cheios de encanto; seu rosto respira a suavidade do paraíso; suas mãos estão repletas de riquezas; seu coração é uma fornalha de caridade, sua lingua é toda clemência. – Em Maria, diz São Bernardo, nada de austero, nada de tremendo; ela é toda benevolência, a todos ajuda, a todos consola, a todos dispensa graças, mas particularmente aos que, presos pelos doces laços do seu amor, nela se refugiam e se escondem sob seu amável patrocínio. Conclui o santo Doutor dizendo que, quando contemplava a sua Senhora Celestial, se lhe afigurava não vêr senão misericórdia: Certe, Domina, cum te aspicio, nihil nisi misericordiam cerno.
Virgem Santissima, com a vossa graça, santidade e formosura imensas, elevais os Anjos, arrebatais os Serafins! Vós sois toda complacência de Deus mesmo, que, fora de si, acha em vós as suas delicias! Por piedade, ó divina Mãe, apoderai-vos do meu coração, atrai-o para vós, abrasai-o no vosso amor e fazei com que dia e noite exclame, enlevado pela vossa formosura: Quão formosa és, minha amiga, quão formosa és! Se não sou digno de vos contemplar na vida presente, vinde ao menos na hora da morte mostrar-me o vosso rosto amável e suavizar com a vossa doce presença as angústias da minha última agonia, para que depois eu vá ver-vos, gozar-vos, amar-vos e agradecer-vos por todos os séculos no paraíso celeste.
Retirado de: MEDITAÇÕES de Santo Afonso Maria de Ligório - Tomo I
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